Num primeiro momento, para alguns, a Síndrome de Asperger é retratada como Autismo e, logo, surge a imagem de um ser sentado, balançando-se para frente e para trás, ou mesmo, movendo um objeto, repetitivamente. Entretanto, ao verificar as referências bibliográficas, é possível perceber a diferença. Segundo Sacks (2006), ainda, muitas pessoas e profissionais tem uma ideia distorcida acerca do autista:
A maioria das pessoas (e de fato, dos médicos), se questionada sobre o autismo, faz uma imagem de uma criança profundamente incapacitada, com movimentos estereotipados, talvez batendo com a cabeça, com uma linguagem rudimentar, quase inacessível: uma criatura a quem o futuro não reserva muita coisa (SACKS, 2006, p.248).
Entretanto, muitos autistas conseguem desenvolver uma linguagem satisfatória e alcançar um mínimo de habilidades sociais, tornando-se seres humanos autônomos. Em seu livro intitulado “Um antropólogo em Marte”, Sacks (2006) relata sua experiência com Temple Grandin, uma americana, autista, que tem, sob certo ponto de vista, uma vida normal, mostrando, assim, que não existe uma realidade única: cada caso é um caso e sempre há superação.
Na Síndrome de Asperger, as pessoas podem falar de suas experiências, de seus sentimentos e de estados interiores; existe uma consciência acerca de si e algum poder de introspecção e relato, porém, as que têm autismo clássico não são capazes disso. Contudo, ao verificar o CID-10[1], Síndrome de Asperger é classificada como um “Transtorno Global de Desenvolvimento” [2]. Conceituada como F84-5,
Transtorno de validade nosológica incerta, caracterizado por uma alteração qualitativa das interações sociais recíprocas, semelhante à observada no autismo, com um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Ele se diferencia do autismo essencialmente pelo fato de que não se acompanha um retardo ou de uma deficiência de linguagem ou do desenvolvimento cognitivo. Os sujeitos que apresentam este transtorno são em geral muito desajeitados. As anomalias persistem frequentemente na adolescência e idade adulta. O transtorno se acompanha por vezes de episódios psicóticos no início da idade adulta (CID-10, p. 369, 2003).
As crianças diagnosticadas com Síndrome de Asperger apresentam um desafio especial para o sistema educacional: muitas vezes, são vistas pelos colegas como excêntricas e esquisitas. A falta do senso do que pode ou não ser feito, contribui, significativamente, para que tais percepções se criem em torno de si.
A Síndrome de Asperger é uma doença pouco conhecida entre médicos, educadores, crianças e sociedade. Por não ter conhecimento, muitas pessoas e profissionais não a identificam corretamente. Trata-se de uma desordem pouco comum, mas conhecê-la é importante para a prevenção do processo psicológico de crianças que tardiamente são diagnosticadas, devido à falta de conhecimento, por parte dos profissionais.
Esta síndrome é uma categoria bastante recente na divulgação científica e encontra-se, em uso geral, praticamente, nas duas últimas décadas. Numa primeira pesquisa, a Síndrome de Asperger se encontra definida da seguinte maneira:
A chamada síndrome de Asperger, transtorno de Asperger ou desordem de Asperger, é uma síndrome do espectro autista, diferenciando-se do autismo clássico por não comportar nenhum atraso ou retardo global no desenvolvimento cognitivo ou da linguagem do indivíduo...é mais comum no sexo masculino. Quando adultos podem viver de forma comum, como qualquer outra pessoa que não possui a síndrome...Um dos primeiros usos do termo “síndrome de Asperger foi por Lorna Wing em 1981 num jornal médico, que pretendia desta forma homenagar Hans Asperger, um psiquiatra e pediatra austríaco cujo trabalho não foi reconhecido internacionalmente até a década de 1990 (WIKIPÉDIA, 2011).
Alguns autores enfocam que não existem exames clínicos que identifiquem a síndrome; o diagnóstico é feito através da observação do comportamento. Entretanto, Mello (2004) aponta para alguns sintomas característicos da síndrome:
I - Distúrbio social - egocentricidade extrema; II - Padrão limitado de interesses; III -Rotinas e rituais; IV- Peculiaridade de fala e linguagem; V - Problemas com comunicação não-verbal; VI - falta de coordenação motora (a pessoa é atrapalhada e desengonçada) (MELLO, 2004, p.73).
Considerando que o tratamento se faz individualmente, em função da evolução de cada criança, os seguintes aspectos podem ser fundamentais: fatores preferenciais de tratamento em um programa de intervenção precoce com indivíduos com a Síndrome de Asperger.
Devemos procurar o antes possível desenvolver: A autonomia e a independência; a comunicação não verbal; os aspectos sociais como imitação, aprender a esperar a vez e jogos em equipe; a flexibilidade das tendências repetitivas; as habilidades cognitivas e acadêmicas. Ao mesmo tempo é importante: trabalhar na redução dos problemas de comportamento; utilizar tratamento farmacológico se necessário; que a família receba orientação e informação; que os professores recebam assessoria e apoio necessários. (MELLO, 2004, p.28).
A compreensão das relações humanas e das regras do convívio social não se torna muito evidente para essas crianças. Também, a dificuldade de lidar com mudanças na rotina faz com que fiquem estressadas e emocionalmente vulneráveis. Em breve análise da Revista Brasileira de Psiquiatria, percebe-se que os Asperger se diferem um pouco dos autistas, quanto ao convívio social,
Contrastando um pouco com a representação social no autismo, os indivíduos com Síndrome de Asperger encontram-se socialmente isolados, mas não são usualmente inibidos na presença dos demais. Normalmente eles abordam os demais, mas de uma forma inapropriada e excêntrica. Por exemplo, podem estabelecer com o interlocutor, geralmente um adulto, uma conversação em monólogo caracterizada por uma linguagem prolixa, pedante, sobre um tópico favorito e geralmente não-usual e bem delimitado (KLIN, 2006, p.9).
Por outro lado, a grande maioria de crianças com Síndrome de Asperger apresenta níveis de inteligência na média ou acima da média ou uma memória de rotina superior a de seus demais colegas. Sendo assim, sua determinação por um único tema de interesse pode levá-las a grandes realizações, na vida futura. A criança com autismo com nível de funcionamento baixo vive num mundo próprio, enquanto a criança com autismo com funcionamento mais alto (Síndrome de Asperger), vive no nosso mundo, mas à sua própria maneira.
Na atualidade, estudos voltados à ciência dos neurônios e do sistema nervoso, trazem novos conhecimentos que contribuem para a compreensão do processo de aprendizagem. Cientistas e educadores estão na construção de um possível diálogo, procurando pontes sólidas de interação, que permitam buscar espaços de discussão, contribuindo, assim, para a compreensão dos processos de aprendizagem. Dentro desta linha, surge a abordagem da neurociência, intensificando informações importantes a respeito das bases biológicas da cognição. Segundo Nicolelis (2011), em entrevista para o Jornal Diário Regional, “o neurocientista estuda como o cérebro aprende, esse diálogo com os educadores é fundamental, porque os educadores estão tentando ensinar cérebros.”
Entender o funcionamento do cérebro está longe de ser a visão generalista de que existem dois hemisférios e que cada um tem funções diferentes, pois se fosse assim, Louzada (2011, p.48) menciona que “os alunos poderiam ser divididos em grupos, de acordo com o hemisfério cerebral que mais utilizam”. Falar sobre o cérebro é perceber que cada um pensa diferente, age diferente, percebe diferente. Existe uma diversidade cognitiva, ou seja, modos, velocidade, ritmos diferentes de aprendizagem.
Na abordagem da Psicologia Cognitiva, pesquisadores como Howard Gardner proporcionam informações importantes para que o desenvolvimento mental da criança seja melhor estimulado. Através de seus estudos, demonstra que não existe somente um tipo de inteligência, mas sim, múltiplas inteligências. Paula (2009, p.144) explicitando as ideias de Gardner, enfatiza que
Os professores precisam buscar meios para desenvolver várias inteligências nos alunos. Entretanto, no planejamento devem ser previstos meios para ajudar os alunos a atingirem uma competência, uma habilidade ou um papel desejado. Para ele, alunos talentosos devem ser orientados para aperfeiçoar seus talentos. Para alunos que apresentam dificuldades na escola, ou mesmo patologias que lhes atrapalham o aprendizado, devem ser desenvolvidos mecanismos e adaptações que auxiliem a adquirir habilidades. Nesse processo, é preciso identificar as propensões biológicas e psicológicas dos seres humanos, os seus universos culturais, e trabalhar essa diversidade.
Somente ter o conhecimento acerca da diversidade cognitiva existente no ambiente escolar, por si só, não basta; se faz necessário intensificar a diversidade na prática educativa, pois, a sala de aula nunca é homogênea, mas sim, carregada de diferenças, de adaptações ao currículo, de envolvimento de todos que fazem parte do processo educativo. Minetto (2009, p.67) faz a seguinte colocação,
Muitas vezes, de forma equivocada, achamos que só há um tipo de aprendizado, esquecendo-nos das diversidades, das necessidades individuais. Seria importante o professor e os demais profissionais da escola perguntarem: o que esse aluno precisa nesse momento? É ser alfabetizado em um ano? É fazer grandes cálculos? Ou seria aumentar sua autoestima? Ou seria ganhar autonomia?
Também nesse sentido, Louzada (2011, p. 48) no intuito de intensificar o trabalho com a diversidade cognitiva, ressalta que “[...] ao planejar uma estratégia pedagógica, o educador deve levar em consideração aspectos relacionados à aprendizagem, à linguagem, às emoções, à atenção e assim por diante”.
Entendendo que os educadores não educam para o ontem, mas sim, no hoje, porém, com vistas para o amanhã, se faz necessário acompanhar os avanços da neurociência e trabalhar em conjunto, buscando melhores métodos para otimizar a diversidade cognitiva, bem como melhores métodos de intervenções precoces, procurando, de forma prazerosa, transformar informações em conhecimento.
Louzada (2011, p. 49) alerta para as modificações do cérebro, uma vez que: “Nosso cérebro, portanto, é plástico, modifica-se ao longo de toda a vida. Por esse motivo, nenhum cérebro é idêntico ao outro, assim como amanhã ele não será igual ao que era ontem”.
Referências:
BAPTISTA, Claudio Roberto. BOSA, Cleonice. Autismo e educação: reflexão e propostas de intervenção. Porto Alegre: Artmed, 2002.
GLAT, Rosana. Educação Inclusiva: cultura e cotidiano escolar. Rio de Janeiro: Sete Letras, 2007.
KLIN, Ami. Autismo e síndrome de asperger: uma visão geral. Revista Brasileira de Psiquiatria. São Paulo, v. 28, nº 1, p. 3-11 mai. 2006.
LOUZADA, Fernando. Neurociência e educação: um diálogo possível? Revista Mentecérebro. Nº 222 Julho. São Paulo: Ediouro Duetto Editorial Ltda, 2011.
MELLO, Ana Maria S. Autismo: guia prático. 4ed. São Paulo: AMA; Brasília: CORDE, 2004.
MINETTO, Maria de Fátima Joaquim ET ALL. Diversidade na aprendizagem de pessoas portadoras de necessidades especiais. Curitiba: IESDE Brasil S. A., 2010. 284 p.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Classificação de transtornos mentais e de comportamento (CID-10): Descrições e Diretrizes Diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003.
ORRÚ, Sílvia Ester. Síndrome de Asperger: aspectos científicos e educacionais. Revista Ibero-Americana de Educação, n° 53/7 - 10/10/10
PAULA, Ercília Maria de.; MENDONÇA, Fernando Wolff. Psicologia do desenvolvimento. 2 ed. Curitiba: IESDE Brasil S.A. , 2009.164 p.
RIDLEY, Matt. O que nos faz humanos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2008.
SACKS, Oliver. Um antropólogo em Marte: sete histórias paradoxais. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
TEIXEIRA, Gustavo Henrique. Síndrome de Asperger e Transtorno Obsessivo-Compulsivo em Crianças de 12 anos de Idade. Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal, Rio de Janeiro, vol 100, nº 01, Jan.Fev.Mar. 2006.
[1] CID-10: Classificação Internacional de Doenças.
[2] Grupo de transtornos caracterizados por alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e modalidades de comunicação e por um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo.
Fonte: Ana Lúcia Hennemann
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